Clarice desenvolveu um estilo literário ímpar. Com livros marcados por singularidades e inovações lingüísticas, a escritora encabeça a lista dos que mais incorporaram traços inéditos à literatura nacional.
A ficção clariceana se concentra nas regiões mais profundas do inconsciente, ficando em segundo plano o meio externo, pois quase tudo se resume à mente das próprias personagens. Portanto, Lispector é o principal nome de uma tendência intimista em nossa literatura. O ser, o estar no mundo, o intimismo formavam o eixo principal de questionamentos tecidos em seus romances introspectivos. Não centra sua obra no social, no romance engajado, mas sim no indivíduo e suas mais íntimas aflições, reproduzindo pensamentos das personagens.
Artifício largamente utilizado por James Joyce, Proust e, sobretudo, Virgínia Woolf [indico ao lado livro da escritora inglesa], o fluxo da consciência marca indelevelmente a literatura de Clarice. Tal aspecto consiste em explorar a temática psicológica de modo tão profundo que o assunto nunca é completamente explorado, ou seja, as diversas possibilidades de análise psicológicas e a complexividade da temática contribuem para a inesgotabilidade do assunto.O fluxo da consciência indefine as fronteiras entre a voz do narrador e a das personagens, de modo que reminiscências, desejos, falas e ações se misturam na narrativa num jorro desarticulado, descontínuo que tem essa desordem representada por uma estrutura sintática caótica. Assim, o pensamento simplesmente flui livremente, pois as personagens não pensam de maneira ordenada, mas sim de maneira conturbada e desconexa. Portanto, é a espontaneidade da representação do pensamento das personagens que caracteriza o caos de tal marca literária.
O monólogo interior é outro artifício utilizado por Clarice que contribui para a construção da atmosfera introspectiva. Essa técnica consiste em reproduzir o pensamento da personagem que se dirige a si mesmo, ou seja, é como se o “eu” falasse pra si próprio. Registra-se, portanto, o mergulho no mundo interior da personagem que revela suas próprias emoções, devaneios, impressões, dúvidas, enfim, sua verdade interior diante do contexto que lhe é posto.
Muitos críticos afirmam que Clarice Lispector é a pioneira no emprego da epifania na prosa brasileira. “No sentido literário, a "epifania" é um momento privilegiado de revelação, quando acontece um evento ou incidente que "ilumina" a vida da personagem.” Assim, pode-se dizer que nos textos de Lispector, o objetivo maior é o momento da epifania: por meio de uma espécie de revelação (o que se dá por meio de um fato inusitado), a personagem descobre que vive num mundo absurdo, causando um desequilíbrio interior que, por sua vez, provocará uma mudança radical na vida da personagem.
É também peculiaridade da autora a construção de frases inconclusas e outros desvios da sintaxe convencional, além da criação de alguns neologismos. Clarice não adota o padrão da gramática normativa, pois tem na valorização da expressividade do texto a regra primordial de sua literatura. Assim, as frases não são feitas com o rigor gramatical e coerente, mas sim com o primor e o viço da expressão artística.
Enfim, podando os excessos e desconsiderando os modismos, Clarice figura entre os melhores escritores da Literatura Brasileira.
Heitor Nogueira.